quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Quem Escolhe Quem?
 
                Eu sempre quis ter um Husky Siberiano. Nunca escondi isso de ninguém. E quando digo sempre, me refiro a um sonho desde que eu era uma garotinha, com meus 5 ou 6 anos de idade. Um sonho que nem mesmo o tempo conseguiria apagar.
                Meus pais, cientes da dificuldade, do trabalho e, sobretudo, da responsabilidade de manter um animal de médio ou grande porte – elementos estes que eu desconsiderava completamente –, diziam que me dariam um, só que da Maritel.
                Um Husky de pelúcia já parecia de bom tamanho. Eu poderia apertar, abraçar e levá-lo para dormir comigo. Com certeza aproveitaria bastante. Porém, fosse de verdade ou de mentira, o Husky não veio. Dias, meses e anos se passaram, e nada.
Tive um vira-lata de pequeno porte, com quem, durante quinze anos, compartilhei vários momentos que me trazem belíssimas recordações. Pelo curto, espoleta, bravo e carinhoso. Essas eram suas principais características. Mas, seguindo a ordem da vida, ele se foi, e só quem já foi cativado por um animal conhece a dor de vê-los partir.
                Por um bom tempo não tive outro cachorro e, secretamente, ainda guardava o desejo de ter um Husky. Talvez quando tivesse minha própria casa. Não sei. Indagava se, no calor que fazia na minha cidade, não seria uma judiação manter um animal “feito para o frio”.
                Li bastante sobre a raça, cheguei a fazer perguntas despretensiosas ao veterinário, tudo para saciar minha curiosidade. E o tempo continuou passando.
                Um dia, em uma caminhada com a família, surgiu um grande impasse: atravessar a rua, um quarteirão e comprar um churrasquinho de rua, ou não?
                – Quem quer um espetinho? – perguntou a mãe.
                – Eu não. – disse o meu irmão.
                – Nem eu. – respondi.
                Dois votos contra, a boa democracia sugere que devemos dar a volta, desistir do espetinho de churrasco e ir para casa. Já passava das 19h, tínhamos andado por mais de duas horas, gastado dinheiro, colocado a conversa em dia. Não faltava mais nada.
                – Mas eu quero e vou comprar!
                E quem pode contrariar a vontade materna? Quem terá coragem de dizer “não” para um desejo tão simples? Ademais, insistir muito na ideia contrária poderia gerar uma grande confusão, e ninguém queria qualquer desentendimento. Seria completamente desnecessário retornar para casa aborrecidos uns com os outros, ainda mais por um motivo tão torpe.
                Comprar o churrasquinho foi a decisão final.
                Apesar de me sentir contrariada, eu fui. Talvez estivesse um pouquinho emburrada, afinal, o cansaço já tomava conta do corpo, mas, bem ou mal, passar mais tempo com a família não seria ruim. E, se eu não estava com vontade, era só não comer.
                Acabamos comprando três espetinhos. Por mais que eu me esforce, não consigo lembrar se comi ou não algum pedaço do meu. Os acontecimentos que sucederam foram tão imprevisíveis, que minha lembrança me trai nesse pequeno e insignificante detalhe.
                O cheiro da carne atraía pessoas e animais e lá, no meio de tanta gente, ela desfilava com seus olhos claros, sua magreza excessiva e seu pelo branco e cinza, completamente duro e ensebado. Apesar de parecer judiada, fraca e imunda, ela transmitia uma beleza natural e encantadora, que contagiava todos ao redor.
                – Ah, se eu tivesse uma caminhonete... Com certeza a levaria para casa! – disse o homem sentado no banco.
                – Ah, se eu já não tivesse cachorro! – disse o outro, devorando um pedaço de seu lanche.
                E todos jogavam carne para ela... E ali ela ficava, rodeando as pessoas.
                Parecia mesmo abandonada, embora fosse difícil acreditar que alguém pudesse tê-la abandonado. O mais provável era que tivesse fugido ou algo do tipo. Agora, abandonada? Só se fosse brava e tivesse atacado alguém, mas essa opção não parecia muito plausível, dada as circunstâncias.
                Era um animal carismático, e até lembrava um pouquinho um Husky...
                – Ela já está aí há algum tempo – disse o vendedor – ninguém veio procurar. As pessoas dão comida, e ela fica.
                Eu me indagava como alguém seria capaz de abandonar um animal tão bonito. Aliás, como alguém pode ter a coragem de ter contato com um animal por determinado tempo e, depois, seja lá por qual razão, desfazer-se dele, sem um mínimo de piedade ou compaixão? Enfim, se fazem isso até com pessoas, o que dirá com bichos...
                – Ah, se não desse tanto trabalho – pensei, tentando ser o mais racional possível, no esforço de tirar da cabeça a ideia maluca de levá-la para casa.
                Foi meu irmão quem destruiu minha racionalidade:
                – Taí, essa é a chance que você tem de ter o mais próximo de um Husky. Não é o que você sempre quis?
                Era exatamente aquilo que eu queria. Talvez me faltasse apenas um apoio externo. Um sinal de que a ideia não era tão maluca assim ou, ainda que fosse maluca, uma ideia plausível, pensada por mais de uma pessoa. Aliás, pensada por alguém que não era eu, já que vivo falando coisas sérias que acabam completamente descreditadas. Enfim, levá-la para casa não parecia mais tão absurdo. Meu irmão havia apertado o gatilho.
                Não sei o que se passava na cabeça da minha mãe enquanto confabulávamos “o resgate”. Só sei que estávamos lá, os três, falando sobre algo que até alguns segundos atrás parecia completamente impossível.
                – Tem um mercado aqui perto, se ela nos seguir até lá, alguém entra para comprar uma guia, enquanto os outros esperam com ela do lado de fora. – essa foi a conclusão de três mentes que já funcionavam como uma.
                Um pedaço de carne no chão, outro um pouco mais a frente... os três primeiros ela pegou, o quarto recusou.
                Sem fome, sem carne; sem carne, ela não nos seguirá. Conclusão lógica que já nos fazia pensar que o plano havia falhado. O que se há de fazer? A vida tem dessas coisas.
                Por sorte, temos uma predisposição imensa para prejulgar e cometer erros. E lá estava ela, nos seguindo, sem receber nada em troca. Portava-se com a cauda e as orelhinhas completamente abaixadas, e um olhar diretamente voltado para o chão.
                Impossível não pensar em como esses animais que vivem nas ruas sofrem. Aliás, qualquer movimento brusco e ela levava um baita susto, se encolhendo toda. Uma reação que nos partia o coração, provavelmente efeito reflexo de todos os maus tratos sofridos.
                Foi minha mãe que entrou no mercado. E como demorou! Se me perguntassem, agora, quanto tempo levou, diria que foi uma hora, embora não deva ter passado mais de sete minutos. Tempo razoável, se considerarmos a dificuldade em encontrar uma guia propícia, a fila exageradamente grande e os demais contratempos.
                Porém, enquanto ela estava lá dentro, a preocupação externa era grande. Um minuto parecia dez, pois, a qualquer momento, o animal poderia cansar da gente e resolver ir embora. E essa preocupação era pertinente e constante. Precisávamos mantê-la por perto.
                Aí veio o primeiro toque. Apesar de o pelo estar duro e sujo, não me senti mal por acariciá-la, muito pelo contrário, aqueles primeiros momentos eram mágicos. Eu estava feliz só pelo fato dela não ter avançado em mim. Nenhuma preocupação se passou pela minha cabeça, não me importava se ela estava doente, se tinha algum machucado, se iria me morder. Nada disso. Eu só queria que ela ficasse ali...
                 Ela não tentou fugir, mas continuava recusando a carne. Talvez estivesse com sede. Era verão, o tempo estava seco, não chovia há algum tempo. As ruas não tinham poças que pudessem servir para hidratar os animais abandonados.
                Do outro lado da calçada tinha um bar em pleno funcionamento. Eu e meu irmão atravessamos a rua e ela, depois de alguns segundos, nos seguiu com seus passos trôpegos. Pausa na respiração: ela não viu o carro... e foi por pouco. Posso jurar que meu coração pulou várias batidas antes de eu perceber que tudo estava bem.
                Enquanto eu entrei para comprar a água, ela ficou passando de um lado para o outro, do lado de fora, chamando a atenção de todos os clientes do bar. Quando eles começaram a indagar se ela não estaria perdida, fiz questão de reforçar:
                – Ela está comigo!
                Ninguém contestou.
                Paguei pela água e saí de lá.
Tirei a garrafa da sacola e, desajeitadamente, tentei servir a bebida para ela, na mão mesmo. Um desastre! Minha mão não conseguia represar a água, que caía no chão e se perdia no cimento, sem possibilitar que ela bebesse alguma coisa. Natural, nunca fui muito boa com improviso de utilidades. Para mim, as coisas são e fazem exatamente aquilo para que foram projetadas, pensar em usos alternativos está fora de cogitação. A minha sorte é que as pessoas não são iguais e, nesse ponto, meu irmão é meu oposto.
                Ele, rapidamente, dobrando a sacola, conseguiu transformá-la em um belo recipiente onde pode servir água a vontade.
                Os 600 ml despejados no bebedouro improvisado quase acabaram. Mesmo imaginando que ela poderia estar com sede, não pensei que fosse tanta assim.
                A recompensa veio logo a seguir: ela não mais parecia querer sair de perto de nós e ali, ao nosso lado, deitou, ficando quietinha. Apenas nos acompanhava com os olhos, sem sequer desencostar a cabeça do chão.
                Com tudo mais tranquilo, liguei para desmarcar um compromisso. A justificativa? “Estou levando um cachorro de rua para casa”. Podia soar estranho, desculpa esfarrapada, mas era a verdade.
                Desliguei o telefone e comecei a andar de um lado para o outro. A impaciência, somado ao meu princípio de hiperatividade, não me permitiriam, sob hipótese alguma, ficar parada.
                Finalmente minha mãe saiu do mercado. A guia serviu perfeitamente. Não foi difícil colocar a coleira nela. E ela caminhou ao nosso lado como se fizesse isso há anos. E assim andamos por trinta minutos ou mais.
                Apesar de tudo, ela fazia sucesso por onde passava. Chegaram até a pedir filhotes, o que é engraçado, porque quando ela – e tantos outros animais – estão nas ruas, soltos, sem nenhum acompanhante, parecem invisíveis. Depois, se alguém os adota, causando uma verdadeira transformação, dizem que são animais invejáveis. E ela nem sequer estava bem cuidada.
                Chegando em casa, ainda faltava uma última aprovação. Meu pai não sabia da história, então, abrimos o portão e chamamos por ele. Não sei como foi esse chamado, só sei que ele apareceu na varanda, assustado, achando que alguma coisa ruim tinha acontecido.
                Pedimos para ele se aproximar e mostramos nossa improvisada companheira de caminhada. Longe de discordar da ideia, de achar aquilo uma loucura, a satisfação dele foi demonstrada com um sorriso.
                Ao acariciá-la, ele apenas comentou que era uma pena que o pelo fosse tão duro. Mas, aquilo, com certeza, não iria afetar em nada nossa decisão de adotá-la.
                O engraçado foi que, no dia seguinte, após levá-la ao veterinário para dar banho e vacinar, a cadela que retornou foi completamente diferente: um pelo branquinho (com partes cinzas), soltinho e bem macio. O veterinário informou que ela estava verdadeiramente imunda – o que era esperado –.
A única coisa que o banho não resolveu foi o baixo peso, que necessitou de cuidados por um tempo maior.
                Tempos depois uma amiga iria me abordar:
                – Tá de sacanagem que você achou um Husky na rua?
                E quem vai entender as peças que se movem para possibilitar a realização dos nossos sonhos?

 

Desafio Literário

 
 
     Depois de muito tempo sem escrever, eis que eu finalmente voltei a rascunhar alguns textos. Nada de muito complexo, apenas para retomar o hábito.
     E, enquanto conversa e trocava ideias com a Valquiria, ela sugeriu que eu participasse do "Desafio Literário", proposto pela "A Menina das Ideias". Por que não?
     Somei a esse desafio uma vontade antiga de contar sobre um sonho - que aqui quer dizer desejo -  de infância. Será que consegui concretizá-lo? Essa resposta virá na postagem seguinte, através do conto: "Quem Escolhe Quem?.
     Tenham um bom dia!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Desperdício.

Passou o dia inteiro escrevendo...
Coisas que não faziam sentido,
Experiências que não tinha vivido.


Por fim, se cansou
E tudo no lixo arremessou.

Escrito por Roberta Aline em 22 de junho de 2009.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um Mundo Diferente do que Você Sonhou

- Abra os olhos! - Gritava a voz em sua mente. Mas, tudo estava tão aconchegante. Por que despertar?
Tapava os ouvidos, como se isso fosse ajudar em alguma coisa.

- Abra os olhos! - Repetia a voz.
- A troco de quê? - Pensava. - Por que acordar de um sono tão belo: do ver as coisas como queremos por não vê-las de verdade.

- Abra os olhos!
Palavras que ecoavam em sua mente. Ecoariam mesmo que de olhos abertos estivesse.
Não se trata apenas de acordar, sair de um sono profundo...
Vai bem além disso.

- Abra os olhos!

- Ora, de que adianta? Ainda que com eles abertos, não sou capaz de ver o que me cerca.
Estou presa no mundo que eu mesma criei, fora da realidade...

- Por favor, abra os olhos...
E perceba, não é apenas uma questão de enxergar...

Escrito em 4 de novembro de 2009.
Por Roberta Aline.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A Arte de Fazer Sorrir


Os carros estão passando apressados.
Um palhaço arranca o riso de uma platéia inteira. Faz a alegria de todas as crianças que não o temem.
A faixa está ali.
Um comediante consegue tirar do seu público diversos momentos de gargalhada, seja com o teatro cheio, vazio ou com metade da lotação.
Também faz rir todo aquele que conta uma piada interessante no almoço, no jantar, no lanche ou em conversas descontraídas.
Uma multidão vai se aglomerando.
Um desatento que acerta o rosto no orelhão deixa algumas pessoas com sorriso no rosto, outras segurando para não rir e, consequentemente, também deixa pessoas rindo, aquelas que nunca conseguem se segurar.
Uma comédia atende seu objetivo quando seus telespectadores a acham engraçada, se divertem com ela e não perdem a oportunidade de dar boas gargalhadas.
Algumas pessoas atravessam a rua se esquivando dos carros que passam acelerados.
A primeira risada do filho deixa os pais boquiabertos e, por reflexo, sorrindo também.
Algumas encenações, para que sejam bem feitas, necessitam que os atores estejam com o sorriso nos lábios, mesmo não condizendo com a realidade.
Um filho esperado, ao nascer com vida, traz felicidade aos pais... E como essa felicidade é mostrada?
Aqueles que saem vitoriosos, do mesmo modo, descobrem a arte de sorrir.
E num mundo conturbado e desvirtuado como o nosso...
Um veículo pára diante da faixa.
A senhora se põe a atravessar e esboça um leve sorriso de agradecimento....
A arte de fazer sorrir se transmite em gestos quase imperceptíveis.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Curta-Metragem: Elo de Ligação

Você se lembra quando o fim parecia impossível?

Não é fácil lidar com a separação; com o vazio deixado por alguém que se vai, independente da relação estabelecida. Esse é o tema de "Elo de Ligação". O fim daquilo que parecia eterno. Como reagir a isso?

Escrito por Marcella Machado, tive o prazer de ser chamada para participar desse projeto.

Confira:

E essa foi a minha primeira participação em um curta-metragem...

Veja pelo YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=o7EJjamH9Jk

sábado, 15 de agosto de 2009

Descoberta do Dia:


Não sou uma completa inútil na cozinha, ao menos, sei fazer gelo.